Memórias de um sargento de milícias – análise literária

Por Mariana Rigonatto

Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é uma obra que pertence à primeira fase do Romantismo no Brasil.

Memórias de um sargento de milícias, romance urbano da primeira geração do Romantismo no Brasil*
Memórias de um sargento de milícias, romance urbano da primeira geração do Romantismo no Brasil*

O autor

Manuel Antônio de Almeida nasceu em 1830, na cidade do Rio de Janeiro. Ficou órfão de pai aos 11 anos. Era filho de portugueses, Antônio de Almeida e Josefina Maria de Almeida. Seu pai era um tenente.

Ele teve uma infância muito carente, o que lhe inspirou a escrever sobre a vida e os costumes da classe média baixa. Formou-se em Medicina em 1855. Durante os anos de 1852 a 1853, ele publicou folhetins que se tornariam, mais tarde, a obra Memórias de um sargento de milícias, em 1854.

Manuel Antônio de Almeida foi jornalista, cronista, romancista e crítico literário. Hoje, ele é tutor da cadeira de número 28 na Academia Brasileira de Letras.

O autor morreu em 1861, aos 30 anos, no naufrágio do navio Hermes, no Rio de Janeiro.

Sua produção literária não foi grande, sendo composta por duas obras:

  • Memórias de um sargento de milícias, 2 vols., 1854-1855.

  • Dois amores, 1861.

Contexto histórico da obra

A história passa-se no período em que D. João VI e sua corte estiveram no Brasil, entre 1808 e 1821. É uma obra que traz um romance de humor popular, explorando personagens característicos da sociedade do Rio de Janeiro do século XIX.

No século XIX, além da presença de uma narrativa que abordava as raízes e tradições nacionais, também houve romances que tratavam das inquietações humanas, principalmente as vividas pela burguesia. Esse tipo de narrativa era conhecida como romance urbano e possuía como pano de fundo a cidade e a vida social, familiar e amorosa de personagens que passam por situações típicas, como conflitos amorosos, conflitos de convivência, corrupção pelo dinheiro, ascensão social, etc.

Estilo literário

Diferente dos romances publicados na época, Manuel Antônio de Almeida teve pouca popularidade na publicação de seus folhetins que, mais tarde, formariam a obra Memórias de um sargento de milícias. Isso se deve ao fato de que esse romance possuía uma estrutura diferente para a primeira geração do Romantismo no Brasil. Enquanto os demais autores se encaixavam em uma perspectiva nacionalista, que retratava a bela sociedade de classe média alta, com heróis belos e perfeitos, Antônio de Almeida trazia em sua narrativa o povo sofrido e cheio de necessidades tão conhecido de sua infância, bem como o anti-herói, um sujeito pobre, sem ideal, vivendo da sorte e de oportunidades que surgiam.

Por não seguir o padrão de escrita da narrativa da primeira geração romântica, é possível perceber em sua obra a comicidade, uso da linguagem coloquial, a distância das cenas idealizadas, a presença de um anti-herói, personagens de baixa renda, uso de um estilo direto e sem sentimentalismo, ausência de moralismo, estilo de linguagem oral e descontraída.

  • Linguagem jornalística

Foi o primeiro autor a trazer esse estilo de linguagem para a escrita de um romance e por suas personagens serem pertencentes a uma camada social de baixa renda, Antônio de Almeida utilizou-se desse recurso para aproximar a forma de comunicação da origem real dos componentes da história. Por isso, a linguagem utilizada é simples e direta, usando, inclusive, expressões que já não eram mais adequadas para o tempo do autor, mas que faziam parte do tempo da narrativa (reinado de D. João VI).

  • O narrador

A obra não é narrada em primeira pessoa, apesar do nome memórias. Ela é narrada em terceira pessoa, apresentando um narrador onisciente. A justificativa para o uso do termo memórias deve-se ao fato de que o romance possui características históricas, já que rememoram cenas e costumes do passado. Além dessa perspectiva histórica, a narrativa também fala de costumes de uma época, abordando com humor e malandragem os atos de seus personagens.

Personagens

Leonardo – é o protagonista da história. O centro do romance consiste em suas travessuras e malandragens.

Leonardo Pataca – pai de Leonardo, era oficial de Justiça.

Maria das Hortaliças – mãe de Leonardo, abandonou a família após ser flagrada pelo marido com outro homem.

O compadre padrinho de Leonardo; toma a guarda do menino após ele ser abandonado pelos pais; era dono de uma barbearia.

A comadre – madrinha de Leonardo; era parteira.

Major Vidigal – era o representante da ordem.

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Dona Maria – mulher rica que possuía disputas judiciais.

Luisinha – sobrinha de Dona Maria.

Vidinha – mulata muito bonita que atrai Leonardo.

A história

O foco da narrativa é a história de Leonardo, filho de imigrantes portugueses, Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça, que se conheceram no navio que os trouxe para o Brasil. Após uma pisadela e um beliscão, os dois tornaram-se amantes, que pareciam ser de muitos anos.

À época, essa era uma declaração de amor, e Leonardo veio a nascer sete meses depois. Veja como o autor caracteriza o nascimento do personagem:

[…] sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.

Aos sete anos, Leonardo era retratado como alguém que:

[…] quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa […]

Após ser flagrada pelo marido em traição, Maria das Hortaliças foge de casa. Leonardo Pataca, em um acesso de raiva, chuta o pequeno Leonardo para fora de casa e perde Maria.

Após o abandono, Leonardo é criado pelo padrinho, um barbeiro, e sua madrinha, uma parteira que adorava missas. Seu padrinho fazia vistas grossas às travessuras do menino que sempre matava aulas e, uma vez, expôs o caso do reverendo com uma cigana.

Apesar de ser considerado pelo autor como o herói da narrativa, outros fatos que circundam os demais personagens também são narrados, como a prisão de Leonardo Pataca, pelo Major Vidigal, por participar de um ritual de macumba. Após a sua soltura, o pai de Leonardo casa-se com Chiquinha, sobrinha da comadre.

A partir desse momento, são as ações de Leonardo filho que passam a ser o foco da narrativa, com o surgimento de D. Maria, uma velha rica que protegerá o protagonista. Ele se apaixona por Luisinha, sobrinha de D. Maria, mas terá um rival, José Manuel, que fará de tudo para conquistá-la.

Com a morte do padrinho, Leonardo vai morar com o pai e a madrasta. No entanto, o convívio com ele torna-se insuportável e ele abandona a casa, o que o fará reencontrar um velho amigo. Esse amigo apresenta-lhe, então, um novo amor, Vidinha, que também possuía dois primos interessados nela. Os rivais de Leonardo arranjam uma forma de ele ser preso pelo Major Vidigal, mas ele consegue escapar. O Major, por sua vez, jura vingança por ter perdido a chance de prender Leonardo por malandragem.

Para livrá-lo da acusação, a madrinha consegue um emprego para Leonardo na ucharia-real, emprego que ele logo perderia por ter tido um flerte com uma das criadas do rei. Vidinha, ao saber do ocorrido, vai até a ucharia fazer escândalo; Leonardo tenta convencê-la do contrário, mas acaba, dessa vez, preso por Vidigal, que fará dele um soldado (granadeiro) de sua patrulha.

Mesmo como soldado da patrulha de Vidigal, Leonardo não deixa suas malandragens e acaba pregando uma peça em seu superior, o que lhe levará à prisão definitivamente de onde só sairá com a intervenção de sua madrinha, Dona Maria, e Maria Regalada, que era um antigo amor de Vidigal.

Em troca da liberdade do herói, Maria Regalada cede à vontade de Vidigal e concede-lhe o desejo de morarem juntos. Agora livre, Leonardo torna-se sargento da companhia de granadeiros. Como sargentos da ativa eram impossibilitados de casar-se, Leonardo recebe o título de sargento de milícias e, após o falecimento de José Manuel, casa-se com Luisinha, a sobrinha de D. Maria.

* A imagem que ilustra este artigo foi feita a partir da capa de um livro do autor.

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