Iracema: análise literária

Por Mariana Rigonatto

Iracema, de José de Alencar, é uma obra pertencente à primeira geração do Romantismo brasileiro e apresenta a história de uma índia que se apaixona por um guerreiro branco.

José de Alencar, o autor de Iracema
José de Alencar, o autor de Iracema

O autor

José Martiniano de Alencar nasceu em 1929 em Mecejana, Ceará. Ele era filho de um ex-padre que se tornou presidente da Província do Ceará e senador do Império. Aos nove anos de idade, Alencar mudou-se para o Rio de Janeiro com a família. Aos 15 anos, ele inciou cursos preparatórios para a Faculdade de Direito de São Paulo. Em São Paulo, Alencar cursou os primeiros anos na Faculdade de Direito e publicou alguns de seus textos em revistas estudantis. Posteriormente, em 1848, transferiu-se para a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco. Foi em Olinda que o autor teve seu primeiro contato com as obras dos cronistas coloniais Gabriel Soares de Sousa e Pero Magalhães Gandavo, obras que o influenciaram mais tarde nos temas de seus primeiros romances, pois tratavam das impressões dos europeus ao chegarem ao Brasil e encontrarem a natureza e o índio.

José de Alencar retornou a São Paulo por causa da tuberculose que havia contraído. Terminou a Faculdade de Direito em 1850 e foi para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua profissão de advogado. No entanto, Alencar não deixou a literatura de lado e começou a escrever pequenas crônicas cotidianas para o jornal Correio Mercantil em 1854. Um ano depois, Alencar tornou-se editor-chefe do Jornal Diário do Rio de Janeiro, o que o tornou conhecido em todo país pelos textos publicados.

Alencar foi deputado geral do Ceará várias vezes pelo Partido Conservador, mas, por causa de um artigo publicado com uma crítica ao poema épico de Domingo Gonçalves de Magalhães, poeta favorito do imperador D. Pedro II, não conseguiu ser senador.

Seu primeiro romance, Cinco minutos, foi publicado em 1856 e foi recebido com simpatia pelos leitores. Em 1956, iniciou a publicação de O Guarani em folhetins, o que lhe rendeu grande popularidade. Sua obra seria, então, composta de romances indianistas, romances urbanos, romances regionais, romances históricos, romances-poemas de natureza lendária, obras teatrais, poesias, crônicas, ensaios e polêmicas literárias, escritos políticos e estudos filológicos.

Alencar morreu em 1877 e, nessa época, sua obra possuía grande significação, sendo considerado um dos maiores autores de todos os tempos. Prova disso é que Iracema foi amplamente elogiada por Machado de Assis, que tinha Alencar na mais alta consideração. Sua produção bibliográfica é composta pelas seguintes obras, cronologicamente:

  • Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, 1856.

  • O Guarani, 1857.

  • Cinco minutos, 1857.

  • Verso e reverso, 1857.

  • A noite de São João, 1857.

  • O demônio familiar, 1858.

  • A viuvinha, 1860.

  • As asas de um anjo, 1860.

  • Mãe, 1862.

  • Lucíola, 1862.

  • Os filhos de Tupã, 1863.

  • Escabiosa (sensitiva), 1863.

  • Diva,1864.

  • Iracema, 1865.

  • Cartas de Erasmo, 1865.

  • As minas de prata, 1865.

  • A expiação, 1867.

  • O gaúcho, 1870.

  • A pata da gazela, 1870.

  • O tronco do ipê, 1871.

  • Sonhos d’ouro, 1872.

  • Til, 1872.

  • O Garatuja, 1873.

  • A alma de Lázaro, 1873.

  • Alfarrábios, 1873.

  • A Guerra dos Mascates, 1873.

  • Voto de graças, 1873.

  • O ermitão da Glória, 1873.

  • Como e por que sou romancista, 1873.

  • Ao correr da pena, 1874.

  • O nosso cancioneiro, 1874.

  • Ubirajara, 1874.

  • Senhora, 1875.

  • Encarnação, 1893.

  • Obra completa, Rio de Janeiro: Ed. Aguilar, 1959.

Contexto histórico

A vinda da família real para o Brasil e as grandes transformações que ocorreram no país, como a inauguração da Biblioteca Nacional e outras mudanças artísticas e culturais, possibilitaram o desenvolvimento e a criação de ensino técnico e científico, atendendo à nova configuração urbana nacional que necessitava da formação urgente de mão de obra profissional adequada para aquele momento de crescimento social.

Com a independência e a criação da primeira tipografia, aos poucos foram surgindo um público leitor que abriu caminho para a implantação da Literatura Brasileira. Após a independência, em 1822, o sentimento nacionalista cresceu entre os intelectuais, assim como a necessidade de criar uma literatura que retratasse as origens históricas da nação e do seu povo. Nessa perspectiva, surge a primeira geração romântica, que abordava os temas do indianismo e do nacionalismo.

Estilo literário

O Romantismo foi um movimento literário que surgiu na Alemanha, de 1798 a 1800, em Iena. Em seguida, espalhou-se para o restante do mundo, chegando a Portugal no ano de 1825, com a publicação do poema “Camões”, de Almeida Garrett. No Brasil, iniciou-se em 1836, com a publicação de Suspiros poéticos e saudades de Gonçalves de Magalhães.

No Brasil, foi um movimento divido por três gerações, que possuíam temas e características bem distintas:

- 1ª Geração: nacionalismo, ufanismo, natureza, religião, indianismo.

- 2ª Geração: mal do século, evasão, solidão, profundo pessimismo, anseio de morte.

- 3ª Geração: Condoreirismo, liberdade, oratória de reivindicação, transição para o Parnasianismo, literatura social e engajada.

De forma geral, é possível caracterizar esse movimento com a presença de imaginação, fantasia, sonho, idealização, sonoridade, simplicidade, subjetivismo, sintaxe emotiva, liberdade criadora.

Análise da obra

Iracema é considerado por muitos “um poema em prosa” e narra a história de uma índia tabajara que se apaixona por um colonizador europeu. Utilizando-se desse encontro entre a índia e o seu amado, José de Alencar faz uma alegoria do processo de colonização do Brasil e de toda a América.

O nome Iracema é um anagrama da palavra “América”, e o nome de seu amado, Martim, lembra-nos Marte, deus romano da Guerra e da destruição. Para mostrar tamanho contraste dos personagens e para a valorização do elemento indígena nacional, José de Alencar utiliza-se de termos e expressões que remetam à linguagem do selvagem, aproximando o leitor da narrativa histórica e indianista.

Além da triste história da virgem dos lábios de mel, Iracema, e de seu amado Martim (primeiro colonizador português do Ceará), o livro traz também como assunto a história da fundação do estado do Ceará e o ódio entre as nações tabajara e pitiguaras, que eram aliados dos franceses e portugueses, respectivamente.

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A figura do herói nacional, o índio, representada nessa primeira geração romântica, faz referência ao herói medieval, ou seja, o índio foi retratado com características idealizadas. Iracema também é colocada nesse lugar de heroína idealizada, pois, em diversos momentos da obra, o narrador compara-a à natureza, mas suas características são sempre maiores e mais belas: seus cabelos são mais negros e mais longos; seu sorriso, mais doce; seu hálito, mais perfumado; seus pés, mais rápidos. Além disso, ela era a virgem dos lábios de mel e deveria manter-se assim, pois era ela quem possuía “o segredo da jurema e o mistério do sonho.”

Essa harmonia intocável de Iracema é quebrada com a chegada de Martim, colonizador português que se perde na mata durante uma caçada com Poti, seu amigo da tribo pitiguara. Iracema captura o branco e leva-o para a Cabana de Araquém. Nesse momento, há uma clara percepção do estranhamento que houve no encontro das duas raças, como também um fascínio que se constrói pelo conhecimento do novo, sem realizar as consequências trágicas que viriam em seguida.

O guerreiro branco capturado seria devolvido à tribo dos pitiguaras por Caubi, irmão de Iracema. Durante o tempo que permaneceu na tribo tabajara, a virgem apaixona-se por Martim, mas sabe que não pode entregar-se a ele, pois morreria. Para evitar que tomasse Iracema, Martim pede à índia que lhe dê o vinho de tupã para que pudesse apenas imaginar essa realização de posse de sua amada, por meio dos efeitos alucinógenos da bebida. Porém, Iracema aproveita-se de momento de imaginação e entrega-se verdadeiramente ao seu amado, o que a levará à morte. Esse fato faz uma alegoria à invasão dos portugueses no Brasil, que provocou a destruição da natureza ainda intocada, deixando clara a preocupação ambiental de Alencar ao retratar essa ação destruidora.

Após esse ato, a vida de Martim é ameaçada pelo guerreiro Irapuã, mas Araquém protege-o da ira dos tabajaras, o que possibilita Iracema de ir ao encontro de Poti e planejar a fuga de Martim. Iracema, então, serve o vinho para os guerreiros e, enquanto estão delirando, retira Martim da aldeia. Longe das terras tabajaras, Iracema revela a Martim que agora é sua esposa e, por isso, deve acompanhá-lo, o que causa grande revolta em sua tribo, que logo descobre ter sido traída pela índia e persegue os fugitivos. Inicia-se, então, um conflito entre as duas tribos, no qual os pitiguaras saem vencedores, fato que entristece muito Iracema por ver seus irmãos mortos.

Iracema vai morar com Poti e Martim no litoral, o que por algum tempo será um exílio coroado de alegrias, especialmente pela gravidez da índia. No entanto, Martim apresenta uma mudança de comportamento ao ver-se entediado com a vida ao lado de Iracema e começa a ser indiferente ao amor, buscando cada vez mais a caça e as batalhas contra os inimigos dos pitiguaras. Durante uma dessas batalhas, nasce o filho de Iracema, ao qual dá o nome de Moacir, que significa “nascido do meu sofrimento, da minha dor”, escolhido por Alencar em alusão ao último filho de Jacó, Benoni (que também possuía esse significado). Assim como os filhos desse patriarca bíblico dão origem às tribos que formarão a nação de Israel, a criança indígena representará o início de uma nova nação.

Iracema tem dificuldades de alimentar-se e nutrir seu filho, enquanto Martim fica oito meses distante deles. Quando retorna, o branco encontra sua amada à beira da morte. Ela entrega o filho em seus braços e morre. Poti e Martim enterram-na ao “pé do coqueiro, à beira do rio”, lugar que seria conhecido posteriormente por Ceará. Martim vai embora das praias do Ceará, levando o filho, o que caracteriza a primeira emigração de um cearense.

Retornando mais tarde ao Brasil, Martim chega agora com outros brancos e um sacerdote “para plantar a cruz na terra selvagem”, o que mostra o processo de colonização, e encerra a história dizendo que “Tudo passa sobre a terra”.

Como características românticas, é possível perceber na obra:

  • Presença do nacionalismo;

  • Idealização do índio como herói;

  • Sentimentalismo exagerado;

  • Retorno ao passado;

  • Sentimento de religiosidade cristã.

É uma obra narrada em terceira pessoa, e o narrador é onisciente, mostrando-se conhecedor de tudo o que ocorre com seus personagens.

É um romance que possui recursos estilísticos como símiles e metáforas, o que lhe rendeu o conceito de “poema em prosa”

O romance está ambientado no Brasil de 1600, já com a presença dos colonizadores, mostrando a luta entre franceses, holandeses e portugueses pela conquista do novo território.

A linguagem utilizada por Alencar em sua obra tinha como objetivo a criação de uma “língua brasileira”, autônoma e independente dos padrões da língua colonizadora. Portanto, o autor é fiel às nossas tradições e ao desejo de inovar, de criar uma língua própria para nosso país.

A leitura dessa obra é fundamental para a compreensão desse período literário e, por isso, tem sido sempre explorada pelos vestibulares e pelo Enem. Assim, leia sempre e aprofunde seus estudos sobre os autores, movimentos literários e características de cada período, buscando relacioná-los a cada produção específica de cada época. É possível também comparar dois períodos diferentes, mas isso é tema para um próximo encontro. Bons estudos!


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