Gonçalves Dias é tido como o primeiro poeta autêntico do movimento romântico no Brasil. Tendo influenciado outros grandes nomes da literatura nacional, desde Álvares de Azevedo a Manuel Bandeira, passando por Machado de Assis e Olavo Bilac, o autor de “Canção do exílio” é o patrono da cadeira n. 15 da Academia Brasileira de Letras.
Autor de poemas e peças teatrais, além de traduções e escritos etnológicos, Gonçalves Dias é lembrado principalmente por sua poesia indianista, protagonizada pelos primeiros habitantes e pelas belezas naturais do território brasileiro.
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Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias (MA), em 10 de agosto de 1823. Filho de um comerciante português com uma brasileira mestiça, foi educado em casa, ao mesmo tempo em que ajudava seu pai no comércio.
Em 1840, matriculou-se no curso de Direito em Coimbra, Portugal. Foi durante esse período que tomou contato com as obras romântico-nacionalistas de Almeida Garret e Alexandre Herculano. Durante a estadia em terras portuguesas, produziu significativa parte de sua poesia e dramaturgia, incluindo o célebre poema “Canção do exílio”, escrito em 1843, inspirado pela distância de sua terra natal.
Gonçalves Dias retornou ao Brasil em 1845, transferindo-se do Maranhão para o Rio de Janeiro, onde se aproximou do grupo de Magalhães, um círculo intelectual e artístico de escritores e pintores envolvidos no movimento do romantismo brasileiro. Foi também na capital fluminense que Gonçalves Dias passou a lecionar latim e história do Brasil no Colégio Pedro II.
Em 1846, publicou Primeiros cantos, obra poética que lhe garantiu renome e sucesso na Corte, sendo na época considerado o verdadeiro criador da literatura nacional. Em 1848, publicou Segundos cantos e Sextilha do Frei Antão, consolidando sua carreira e recepção crítica positiva.
Gonçalves Dias também colaborou com a imprensa, publicando textos no Jornal do Comércio, Gazeta Mercantil e Correio da Tarde. Além disso, fundou ele mesmo a Revista Guanabara. Também se dedicou ao estudo da etnografia e da linguística e passou um tempo na Amazônia, período em que fundamentou as obras Brasil e Oceania (1852) e Dicionário da língua tupi (1858).
Diz-se que o escritor retornou ao Maranhão em 1851, quando se apaixonou por Ana Amélia Ferreira do Vale. A família da moça, entretanto, considerava-o como mestiço, graças à linhagem de sua mãe; o preconceito racial impediu o casamento dos dois. Acabou por casar-se com Olímpia da Costa, com quem nunca se deu bem, tendo apenas uma filha, que morreu ainda criança.
Gonçalves Dias foi também Secretário de Negócios Estrangeiros do Império, permanecendo um bom período na Europa. Em 1862, depois de sua expedição pelo Norte do Brasil, voltou ao Rio de Janeiro, já bastante adoentado. De lá, partiu novamente para Europa em busca de tratamento para a tuberculose, permanecendo até 1864. Retornou ao Brasil a bordo do navio Ville de Boulogne, que veio a naufragar, já à vista de terra. Os passageiros conseguiram salvar-se, mas Gonçalves Dias morreu no naufrágio, em 3 de novembro de 1864.
O século XIX foi um momento de grandes mudanças para o Brasil. Com a fuga do rei d. João VI para a colônia, a Corte portuguesa foi transferida de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808, trazendo consigo a fundação do Banco do Brasil e a abertura dos portos às nações amigas. Assim, o país começou a receber viajantes e pesquisadores de diversas nacionalidades, que contribuíram para a divulgação das belezas naturais brasileiras (tema muito apreciado pela obra de Gonçalves Dias) e para o aprofundamento do conhecimento sobre o território nacional.
Dentre esses divulgadores, destacou-se a Missão Artística Francesa, da qual faziam parte pintores renomados como Jean-Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay, que mais tarde organizaram a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios — depois transformada na Imperial Academia e Escola de Belas Artes.
Foi durante as primeiras décadas do século XIX que a educação brasileira deixou de existir apenas em conventos e escolas religiosas, e também quando foram fundados cursos superiores no país. A chegada da família real ao Brasil também abriu espaço para a fundação da Imprensa Régia, da Biblioteca Real e do Museu Nacional.
Assim, o Brasil começava a modernizar-se e academicizar-se aos moldes dos reinos europeus. Contudo, em 1823, proclamou-se a independência do Brasil — não mais pertencente a Portugal, o país viu-se à procura por uma identidade nacional. A empreitada do nacionalismo romântico coincidiu com esse momento: a busca por uma cultura verdadeiramente brasileira.
A intelectualidade da época voltou-se para dentro, para a tipificação da nação, valorizando principalmente as imagens dos povos indígenas e a opulência da fauna e flora brasileiras, à procura daquilo que diferenciasse o brasileiro de outros povos, em tentativas de construir uma consciência cultural nacional. Esse motivo estendeu-se por boa parte do século e encontrou nas obras de Gonçalves Dias um grande expoente.
Gonçalves Dias é aclamado sobretudo pelo lirismo de sua poesia, que equilibra o transbordamento sentimental e a forma perfeccionista. Sua influência neoclássica transparece no acabamento formal dos versos, evitando os excessos tradicionais do romantismo e pendendo a uma poesia que valoriza mais a simplicidade.
Também é tido como o primeiro poeta verdadeiramente brasileiro: mesmo ao abordar temas caros à tradição europeia, como a religião, o amor impossível, a mulher idealizada, a melancolia ou a tristeza, Gonçalves Dias o faz à brasileira, recorrendo a cenários e personagens nacionais. Imagens da natureza são rica e liricamente descritas pelo autor, muitas vezes sendo elas mesmas personagens da obra, endossadas pelo ufanismo e a exaltação nacionalista.
É o grande nome do indianismo brasileiro na poesia, tomando costumes, crenças e tradições dos povos indígenas como os verdadeiros representantes da cultura nacional. O indígena delineado em suas obras, porém, é a figura do “bom selvagem” heroico e idealizado, carregado de virtudes e das ideias de honraria e bravura importadas das imagens dos cavaleiros medievais europeus.
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Primeiros cantos (1846)
Segundos cantos (1848)
Sextilhas do Frei Antão (1848)
Últimos cantos (1851)
Os timbiras (1857) [obra inacabada]
Cantos (1857)
Beatriz de Mendonça (1843)
Patkull (1843)
Leonor de Mendonça (1847)
Meditações (1846)
Brasil e Oceania (1852)
Dicionário da língua tupi (1858)
Da vasta obra indianista de Gonçalves Dias, destacam-se diversos poemas. Um deles é “I-Juca Pirama”, poema narrativo composto de 484 versos, considerado uma fusão perfeita entre lírica e épica. Trata-se da história de um índio tupi capturado pelos timbiras, que devoravam os inimigos corajosos num ritual antropofágico.
Assim, se o guerreiro fosse bravo, era devorado; fosse covarde, era libertado. O título do poema, em tupi, significa “aquele que vai ser morto”, e é narrado por um velho timbira. O guerreiro tupi, ao clamar piedade diante da morte, é libertado pelos timbiras e amaldiçoado por seu próprio povo, por demonstrar covardia, de modo que a noção de honra ocupa papel central no poema.
Também famoso é o poema “Leito de folhas verdes”, cujo eu lírico feminino lamenta a ausência de seu amado, Jatir. Trata-se de uma mistura entre elementos da cultura indígena e sentimentalismo próprio do amor romântico, bem como do romântico diálogo entre a paisagem e os estados de alma do eu lírico.
Os timbiras, por sua vez, é uma obra inacabada — foram publicados apenas os quatro primeiros cantos desse longo poema narrativo; diz-se que o restante dos versos perderam-se no mar. Repleto de referências históricas e geográficas, Os timbiras possui longas descrições metrificadas de costumes e culturas indígenas.
Muito influenciado por Almeida Garret, Gonçalves Dias escreveu também poemas movidos por um lirismo apaixonado e ardente, unindo individualismo psicológico e musicalidade. Em sua lírica amorosa, são constantes os temas do amor impossível, do exílio e também a presença dos elementos da natureza. Destacam-se os poemas “Ainda uma vez — adeus!”, dedicado à sua amada Ana Amélia, “Olhos verdes” e “Menina e moça”.
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O poema “Canção do exílio”, publicado pela primeira vez no livro Primeiros cantos (1846), é um dos mais famosos da literatura nacional. Seus versos estão presentes até mesmo no Hino Nacional Brasileiro (“Nossos bosques têm mais vida,/ Nossa vida mais amores”). Serviu também como base para intertextualidade entre diversos outros poemas, como a “Nova canção do exílio” de Carlos Drummond de Andrade, a “Canção do exílio” de Murilo Mendes, e a “Canção de regresso à pátria” de Oswald de Andrade, entre outros. Leia na íntegra essa obra-prima de Gonçalves Dias:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Coimbra, julho, 1843.
Composta de três quartetos e dois sextetos, a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias traz à tona muito dos ideais literários do autor: a exaltação da paisagem, o engrandecimento nacional e o equilíbrio entre o sentimento exacerbado e a adjetivação simples no acabamento formal. O contraste entre os advérbios “cá” e “lá”, reforçado pelas descrições exuberantes da pátria, junto à repetição do advérbio de intensidade “mais” dão o ritmo nacionalista e saudoso do poema.
Famoso poeta brasileiro, fez parte da segunda geração romântica.
O predicado é um termo essencial da oração que faz uma afirmação sobre o sujeito.
Indica uma condição em relação a um verbo, adjetivo ou outro advérbio.
Podem provocar efeitos indesejados na comunicação, entre eles a ambiguidade.
As palavras aportuguesadas são aquelas de origem estrangeira que foram adaptadas às normas ortográficas da língua portuguesa.