Cora Coralina nasceu em Goiás, em 1889. Começou a escrever aos 14 anos, mas só em 1965 publicou o seu primeiro livro: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Foi no ano de 1980 que ficou conhecida em todo o Brasil, quando o poeta Carlos Drummond de Andrade leu as suas poesias.
Foi premiada com o Troféu Jaburu e o Troféu Juca Pato, além de ter recebido o título de doutora honoris causa da Universidade Federal de Goiás (UFG). Após sua morte, em Goiânia, no ano de 1985, foi criado o Museu Casa de Cora Coralina, em Goiás. Afinal, como escreveu a autora: “Faz de tua vida mesquinha/ um poema./ E viverás no coração dos jovens/ e na memória das gerações que hão de vir”.
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Filha do desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e de Jacinta Luiza do Couto Brandão, Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nasceu na Cidade de Goiás, no dia 20 de agosto de 1889. Casou-se, em 1910, com um advogado 22 anos mais velho do que ela, com quem teve quatro filhos, e viveu no estado de São Paulo de 1911 a 1956. Faleceu em Goiânia, em 10 de abril de 1985.
Além de escrever, Cora Coralina, de volta a Goiás e já viúva, fazia doces para vender. Seu primeiro livro foi publicado em 1965, quando a autora tinha 75 anos. Mas só foi reconhecida aos 91 anos, quando o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu um artigo sobre ela para o Jornal do Brasil, em 1980.
Mais tarde, em 1983, ele escreveu também uma carta para a poetisa em que mostrava suas impressões sobre o seu livro Vintém de cobre — meias confissões de Aninha:
Rio de Janeiro, 7 de outubro, 1983.
Minha querida amiga Cora Coralina:
Seu Vintém de Cobre é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não se pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia [...].
Não lhe escrevi antes, agradecendo a dádiva, porque andei malacafento e me submeti a uma cirurgia. Mas agora, já recuperado, estou em condições de dizer, com alegria justa: Obrigado, minha amiga! Obrigado, também, pelas lindas, tocantes palavras que escreveu para mim e que guardarei na memória do coração.
O beijo e o carinho do seu
Drummond.
Após a morte de Cora Coralina, em 10 de abril de 1985, amigos e parentes criaram a Associação Casa de Cora Coralina, que mantém o Museu Casa de Cora Coralina, localizado no centro da Cidade de Goiás. Inaugurado em 20 de agosto de 1989, quando a poetisa faria cem anos, o museu, desde então, procura manter a memória dessa escritora.
Ali, podem ser encontrados objetos pessoais de Cora Coralina, fotos, correspondências, manuscritos, livros, entre outros. Dessa forma, o visitante pode ter contato com fragmentos da vida da escritora e, para aquele que ainda não conhece a sua obra, ser inspirado a ler os seus livros.
Cora Coralina teve cinco obras póstumas publicadas: os livros infantis Os meninos verdes (1986), A moeda de ouro que um pato engoliu (1997) e O prato azul-pombinho (2001), além dos livros de poesia Tesouro da casa velha (1996) e Vila Boa de Goiás (2001).
A poetisa Cora Coralina teve uma educação formal de apenas três anos, mas, aos 14 anos de idade, já produzia seus primeiros textos literários. Publicou seu primeiro conto — Tragédia na roça — em 1910, no Anuário Histórico, Geográfico e Descritivo de Goiás.
No entanto, há também registro de uma publicação anterior, a crônica O canto da Inhuma, publicada no Jornal Goiás, em 1909. Mostramos a seguir trechos desse texto, adequados às regras da ortografia atual:
“Qualquer pessoa que tenha vivido algum tempo no campo, ou melhor direi, na proximidade das matas, conhece, sem dúvida, a inhuma e o seu canto extraordinário, incompreensível, único na espécie. O que mais acentua a particularidade desse pássaro é reunirem-se em bando de cinco a sete, formando uma verdadeira orquestra de ritmo impecável e com a competente variedade de instrumentos.
Por isso fiquei tonta de espanto ouvindo um caipira desses que tem forma de homem e interior de animal domesticado, interpretar o canto dessa ave, e de modo tão vivamente material que julguei estar a ouvir, não uma viola, e sim um bando de inhumas.
E num momento, ouvindo as inhumas trinarem orquestralmente nas cordas retesadas da viola fiquei desorientada, sem atinar se tinha na minha frente um sertanejo rude, analfabeto, ou se um artista consagrado. Weber compondo a sua magnífica peça ‘Passarinhos no Bosque’.”
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O primeiro livro de Cora Coralina, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, foi publicado, pela primeira vez, em 1965, pela editora José Olympio, quando a poetisa tinha 75 anos. Ela já era conhecida em sua cidade, mas continuou a ser ignorada pela crítica acadêmica, mesmo com essa publicação.|1|
De acordo com Lúcia Tormin Mollo e Anderson Nunes da Mata|2|: “A figura de uma senhora de cabelos brancos não era vista com seriedade. Se não bastasse ser mulher, velha e sem posses, as escolhas estéticas feitas por Cora não agradavam aos críticos, entre os motivos, por optar por um vocabulário popular e personagens marginalizados, como escravas e sinhás, analfabetas e professoras, prostitutas e lavadeiras”.
A seguir, um dos poemas desse primeiro livro da poetisa, em que o eu lírico apresenta a sua cidade, Goiás, e a si, Aninha ou Cora Coralina:
Minha cidade
Goiás, minha cidade…
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.
Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,
contando estórias,
fazendo adivinhação.
Cantando teu passado.
Cantando teu futuro.
Eu vivo nas tuas igrejas
e sobrados
e telhados
e paredes.
Eu sou aquele teu velho muro
verde de avencas
onde se debruça
um antigo jasmineiro,
cheiroso
na ruinha pobre e suja.
Eu sou estas casas
encostadas
cochichando umas com as outras.
Eu sou a ramada
dessas árvores,
sem nome e sem valia,
sem flores e sem frutos,
de que gostam
a gente cansada e os pássaros vadios.
Eu sou o caule
dessas trepadeiras sem classe,
nascidas na frincha das pedras:
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.
Eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.
Eu sou a menina feia
da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.
Nos cinco últimos anos de sua vida, a poetisa Cora Coralina teve o reconhecimento de sua obra e foi bastante homenageada. Além do artigo escrito por Carlos Drummond de Andrade, em 1980, que deu projeção à poesia da autora, nesse mesmo ano, ela recebeu o Troféu Jaburu, concedido pelo governo de Goiás.
O Troféu Juca Pato chegou em 1983. Esse prêmio anual da União Brasileira dos Escritores (UBE) foi concedido a renomados autores da literatura brasileira, como Erico Verissimo, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, entre outros. Cora Coralina foi a primeira mulher, desde o início da premiação (1963), a receber essa homenagem.
Além dos prêmios, a poetisa recebeu também, em 1983, o título de doutora honoris causa da Universidade Federal de Goiás (UFG). Essa expressão latina — honoris causa — pode ser traduzida como “por causa de honra”. O título, portanto, é concedido por universidades a pessoas que, em virtude de sua importância em algum campo de atuação (no caso de Cora Coralina, a escrita literária), merecem um título honorário de doutor ou doutora mesmo não tendo frequentado um curso acadêmico.
A seguir, as obras de Cora Coralina, por ordem cronológica de publicação:
A poetisa Cora Coralina escreveu inúmeros poemas. Escolhemos dois deles para ilustrar seu fazer poético e a força que emana de suas palavras. O primeiro poema é Estas mãos. Nele, podemos observar o caráter memorialístico e autobiográfico marcante na obra da autora. Porém, além das marcas (memórias) do eu lírico impressas nessas mãos, elas também carregam a ação, a iniciativa, a não passividade diante da vida.
Estas mãos
Olha para estas mãos
de mulher roceira,
esforçadas mãos cavouqueiras.
Pesadas, de falanges curtas,
sem trato e sem carinho.
Ossudas e grosseiras.
Mãos que jamais calçaram luvas.
Nunca para elas o brilho dos anéis.
Minha pequenina aliança.
Um dia o chamado heroico emocionante:
— Dei Ouro para o Bem de São Paulo.
Mãos que varreram e cozinharam.
Lavaram e estenderam
roupas nos varais.
Pouparam e remendaram.
Mãos domésticas e remendonas.
Íntimas da economia,
do arroz e do feijão
da sua casa.
Do tacho de cobre.
Da panela de barro.
Da acha de lenha.
Da cinza da fornalha.
Que encestavam o velho barreleiro
e faziam sabão.
Minhas mãos doceiras…
Jamais ociosas.
Fecundas. Imensas e ocupadas.
Mãos laboriosas.
Abertas sempre para dar,
ajudar, unir e abençoar.
Mãos de semeador…
Afeitas à sementeira do trabalho.
Minhas mãos raízes
Procurando a terra.
Semeando sempre.
Jamais para elas
os júbilos da colheita.
Mãos tenazes e obtusas,
feridas na remoção de pedras e tropeços,
quebrando as arestas da vida.
Mãos alavancas
na escava de construções inconclusas.
Mãos pequenas e curtas de mulher
que nunca encontrou nada na vida.
Caminheira de uma longa estrada.
Sempre a caminhar.
Sozinha a procurar,
o ângulo prometido,
a pedra rejeitada.
Por fim, o poema Aninha e suas pedras, no qual a poetisa, mais uma vez, fala de resistência – nesse caso, atrelada à renovação da vida, vida comparada à criação de um poema. Aninha, portanto, acaba fazendo uma declaração de amor à vida e à poesia.
Aninha e suas pedras
Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
Em julho de 1983, Cora Coralina deu uma entrevista a Miriam Botassi|4|. Mais tarde, essa conversa foi publicada, em parte, na revista Mulherio. A seguir, algumas frases marcantes da autora durante esse encontro:
“Eu não era carneiro para andar aí pastorado.”
“Fui limitada na primeira infância, fui limitada de menina, fui limitada de adolescente, fui limitada de casada e não quero ser limitada depois de velha.”
“Não me sinto livre, me sinto liberta.”
“O medo é a escravidão maior da criatura.”
“A política é importante não para mim, mas para a mulher como um todo.”
Notas
|1|A segunda e a terceira edição da obra, respectivamente em 1978 e 1980, foram feitas pela Editora da Universidade Federal de Goiás.
|2|Ambos da Universidade de Brasília (UnB).
|3|O poema “O prato azul-pombinho” foi publicado no livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Portanto, o livro O prato azul-pombinho é tal poema, acompanhado de ilustrações e adequado ao público infantil.
|4|Miriam Botassi (1947-2000) foi uma bibliotecária, jornalista e feminista que participou da criação do CIM (Centro Informação Mulher).
Créditos das imagens
[1] Judson Castro / Shutterstock
[2] Editora Global (Reprodução)
Famoso poeta brasileiro, fez parte da segunda geração romântica.
O predicado é um termo essencial da oração que faz uma afirmação sobre o sujeito.
Indica uma condição em relação a um verbo, adjetivo ou outro advérbio.
Podem provocar efeitos indesejados na comunicação, entre eles a ambiguidade.
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