A começar pelo título, há neste um termo que se revela como o ápice, ponto-chave da essência discursiva norteadora do presente artigo – “desvios”. Mas por que não vícios? Inegavelmente seria tamanha pretensão tachá-los assim, tendo em vista que para a Linguística – ciência cujos progressos se mostram em plena ascensão- o conceito de certo e/ou errado, carecem de verdadeiras reformulações.
Por certo tais reformulações partem do princípio de que a língua, ora concebida como um organismo vivo, está em constantes transformações, reafirmando-se principalmente no tocante aos “diversos falares”, mais precisamente às variações linguísticas. Não se trata aqui de privilegiarmos esta ou aquela camada social, mas sim de enfatizarmos acerca da relação que o indivíduo estabelece com o meio que, por sinal, funciona como agente influenciador.
Desta feita, contextualizamo-nos diante do fato relacionado àquela pessoa cujo conhecimento restringe-se apenas ao método intuitivo, à sabedoria popular, enfim àquele apreendido com base não em uma experiência coletiva, mas individual. Atendo-nos ao âmbito social, esta pessoa estará fadada à exclusão? Indubitavelmente é um caso a se pensar, assim como nos revela Marcos Bagno (2009 apud CRYSTAL 1987, p. 328):
As línguas estão sempre num estado de fluidez. A mudança afeta o modo como às pessoas falam de forma tão inevitável, quanto afeta qualquer outra área da vida humana!.
Longe de aparentarmos contraditórios, mas o fato é que quando se trata da escrita, retomamos a ideia de que somos condicionados a um conjunto de normas e regras previamente estabelecidas que, sobretudo, imperam mediante nosso posicionamento enquanto “interlocutores sociais”. E por assim dizer, há ocorrências em que o emissor se esbarra nesta padronização, ou por não ter o devido conhecimento dela ou por não assimilá-la de forma plausível, mostrando-se suscetível a cometer os possíveis “desvios” linguísticos, indo de encontro aos postulados gramaticais.
A título de nos tornarmos conhecedores destes, analisaremos alguns casos que o representam:
a) Cacografia
Atribui-se à forma indevida da qual o emissor se utiliza para grafar uma determinada palavra.
Ex: Mediante a acusação feita a ele, todos os advogados interviram. O enunciado, uma vez reformulado, resultaria em:
Mediante a acusação feita a ele, todos os advogados intervieram.
b) Silabada
Consiste no deslocamento do acento prosódico referente a um determinado vocábulo.
Ex: Em meio a este interim, foi inevitável que ela não se apaixonasse pelo rapaz. Retificando o termo em evidência, teríamos:
Em meio a este ínterim, foi inevitável que ela se apaixonasse pelo rapaz.
c) Estrangeirismos, galicismo, francesismo, anglicismo, italianismo e germanismo
Referem-se ao emprego de determinadas expressões pertencentes a outro idioma, incorporando-as ao próprio cotidiano linguístico.
Exemplos:
A maioria dos bares e restaurantes estão à espera de seus clientes para um happy hour descontraído.
Final de tarde representa o termo que se adequaria ao contexto.
Este modelo démodé não pertence à nova coleção de inverno.
“démodé” representa “fora de moda”.
Vejamos, pois alguns exemplos típicos dos referidos “empréstimos linguísticos:
* Galicismo – Trabalhar de domingo é não é uma boa opção.
O termo poderia ser substituído por “aos domingos”.
* Italianismo – Alguns alunos terão de repetir de ano.
Em vez deste, seria aplicável outra expressão – repetir o ano.
d) Solecismo
Configuram como sendo quaisquer desvios cometidos contra as regras relacionadas à sintaxe, podendo ser assim representados:
* de concordância – Fazem dias que não o vejo. (Faz dias que não o vejo)
* de regência – As crianças já não obedecem os mais velhos. (As crianças já não obedecem aos mais velhos)
* de colocação – Oferecerei-he todos os meus préstimos. ( Oferecer-lhe-ei todos os meus préstimos)
e) Ambiguidade ou anfibologia
Resulta na incoerência de sentido, implicando na duplicidade de interpretações.
Ex: A mãe pegou a criança chorando.
Mediante este contexto não conseguimos identificar se era a criança ou a mãe que chorava. De modo a desfazer tal ocorrência, obteríamos:
A mãe pegou a criança que estava chorando.
f) Cacofonia
Resulta na junção de sílabas diferentes, resultando em um péssimo efeito sonoro, podendo também se caracterizar como escandaloso, obsceno.
Ex: Não vi ela durante toda a festa. (Não a vi durante toda a festa)
g) Pleonasmo vicioso
Configura-se pelo uso desnecessário de alguns termos, partindo-se do princípio de que nada acrescentam à ideia, pois esta já revela por si a própria noção de significância.
Ex: Garoto, desça já lá em baixo e me trague a encomenda.
Inferimos que a ação de descer já denota algo que se encontra em um plano inferior.