Victor Hugo, um dos principais nomes do romantismo francês, nasceu em 26 de fevereiro de 1802. Além de poeta e romancista, foi também dramaturgo. O prefácio de seu texto dramático Cromwell, de 1827, é considerado um manifesto do romantismo. Já em 1829, com a publicação de sua novela O último dia de um condenado, o escritor iniciou sua luta contra a pena de morte. Em 1831, foi reconhecido como romancista ao publicar O corcunda de Notre-Dame. No entanto, seu maior sucesso é Os miseráveis, de 1862.
A vida de Victor Hugo foi marcada pelo seu envolvimento com a política, o que, aliás, levou o escritor a um exílio de quase 20 anos. A sua obra, consequentemente, recorre à temática sociopolítica, aliada a características românticas, tais como o sofrimento amoroso, o exagero sentimental e a defesa da liberdade. Dessa forma, o escritor, que faleceu em 22 de maio de 1885, usou sua escrita para defender os valores humanitários, combater as injustiças sociais e lutar pelo fim da pena de morte.
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Biografia de Victor Hugo
Victor Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802, em Besançon, França. Em 1808, ele, sua mãe — Sophie Trébuchet (1772-1821) — e irmãos mudaram-se para a Itália, onde estava o pai do escritor — Léopold Hugo (1773-1828) —, um militar. Porém, Léopold foi transferido para a Espanha, e sua esposa e filhos voltaram para a França. Victor Hugo, então, conheceu Adèle Foucher (1803-1868).
No início de sua carreira literária, em 1820, Victor Hugo recebeu uma gratificação real por sua ode relacionada ao assassinato do Duque de Berry (1778-1820). Dois anos depois, ele se casou com Adèle Foucher. Mas o primeiro filho do casal, chamado Léopold, morreu recém-nascido. Isso não impediu que o escritor, nesse mesmo ano, cofundasse o periódico La Muse Française (1823-1824), um dos porta-vozes do romantismo francês.
Depois de ser nomeado Cavaleiro da Legião de Honra, publicou a peça de teatro Cromwell (1827), cujo prefácio é considerado um manifesto do romantismo. Desde então, Victor Hugo passou a ser visto como principal líder do movimento na França. Seu engajamento político-literário passou a ser evidente a partir da publicação de O último dia de um condenado (1829), em que o escritor se posiciona contra a pena de morte.
Autor consagrado, em 1837 foi promovido a Oficial da Legião de Honra e, em 1841, foi eleito para a Academia Francesa. Porém, em 1843, sua filha Léopoldine (1824-1843) e o marido morreram afogados. Victor Hugo soube do fato por meio de uma notícia de jornal ao voltar da Espanha.
Vale citar ainda o seu relacionamento extraconjugal com a escritora Léonie Biard (1820-1879), que se transformou em um escândalo. Isso não impediu que, em 1848, fosse eleito deputado por Paris. Nesse mandato, fez discursos contra a pena de morte e a favor da liberdade de imprensa, além de apoiar a candidatura de Luís Napoleão Bonaparte (1808-1873) à Presidência da República. Contudo, em 1851, Luís Napoleão Bonaparte deu um golpe de Estado, ao qual Victor Hugo se opôs. Esse acontecimento político levou o escritor a se exilar em Bruxelas. Mais tarde, com o sucesso do livro As contemplações (1856), comprou a La Fallue, uma casa para a sua amante e ex-atriz Juliette Drouet (1806-1883), na ilha de Guernsey.
Em 1859, recusou a anistia oferecida por Napoleão III e continuou no exílio. Nesse mesmo ano, posicionou-se a favor do abolicionista americano John Brown (1800-1859), condenado à morte. Assim, depois do grande sucesso de Os miseráveis (1862) e com a queda do Império, em 1870, voltou à França, onde foi recebido como herói, para, no ano seguinte, ser eleito deputado por Paris, mandato ao qual renunciou um mês depois. Porém, voltou à vida política em 1876, quando foi eleito senador, sendo reeleito em 1882, antes de morrer em 22 de maio de 1885.
Vida literária de Victor Hugo
Victor Hugo é considerado um dos principais nomes do romantismo, não só francês, mas mundial. O autor não apenas se envolveu com a política institucional, mas levou a temática política para as suas obras. Como escritor romântico, usou a sua arte para liberar as consciências e tentar mudar o mundo. Republicano e exilado do Império, a sua literatura engajada foi usada como instrumento para defender a liberdade.
Iniciou sua carreira como poeta com o livro Odes e poesias diversas (1822) e experimentou, nos anos seguintes, o seu amadurecimento como escritor romântico. Assim, O último dia de um condenado (1829) e Claude Gueux (1834) marcaram o início de sua consciência e embate político na literatura. Esses dois livros são a gênese de sua grande obra, isto é, Os miseráveis (1862). Com esse livro, conseguiu aproximar-se do ideal romântico, ou seja, mudar o mundo.
Os miseráveis expõe, com muita emoção, as desigualdades e injustiças sociais. A obra, bastante popular, apesar de não ser apreciada pela crítica da época, comoveu leitores de vários países. Porém, a projeção internacional de Victor Hugo aconteceu bem antes, com a publicação de O corcunda de Notre-Dame (1831). Portanto, ainda jovem, o escritor foi consagrado não só como poeta e romancista, mas também como dramaturgo. Suas peças de teatro também traziam questões políticas e, portanto, polêmicas, como Marion de Lorme (1831), que tinha como protagonista uma prostituta do século XVII.
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Estilo literário de Victor Hugo
O escritor Victor Hugo faz parte do romantismo francês. Assim, de maneira geral, suas obras apresentam as seguintes características:
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Teor nacionalista
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Personagens heroicos
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Bucolismo
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Subjetivismo
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Teocentrismo
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Sofrimento amoroso
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Exagero sentimental
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Defesa de ideais burgueses
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Amor idealizado
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Culto à liberdade
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Idealização da mulher
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Uso de vocativos
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Exclamações abundantes
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Uso de hipérboles
No entanto, as obras de Victor Hugo apresentam as seguintes peculiaridades:
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Defesa de valores humanitários
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Engajamento político
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União entre razão e emoção
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Temática da injustiça social
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Crítica ao sistema judiciário
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Oposição à pena de morte
Obras de Victor Hugo
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Odes e poesias diversas (1822)
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Hans da Islândia (1823)
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Bug-Jargal (1826)
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Odes e baladas (1826)
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Cromwell (1827)
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Os orientais (1829)
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O último dia de um condenado (1829)
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Hernani (1830)
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O corcunda de Notre-Dame (1831)
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Marion de Lorme (1831)
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O rei se diverte (1832)
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Lucrécia Bórgia (1833)
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Maria Tudor (1833)
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Claude Gueux (1834)
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Anjo (1835)
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As canções do crepúsculo (1835)
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As vozes interiores (1837)
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Ruy Blas (1838)
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Raios e sombras (1840)
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O Reno (1842)
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Os Burgraves (1843)
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Napoleão, o Pequeno (1852)
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Os castigos (1853)
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Cartas a Luís Bonaparte (1855)
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As contemplações (1856)
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Os miseráveis (1862)
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William Shakespeare (1864)
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Canções das ruas e da floresta (1865)
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Os trabalhadores do mar (1866)
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O homem que ri (1869)
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O ano terrível (1872)
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Noventa e três (1874)
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Meus filhos (1874)
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Vida ou morte (1875)
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Atos e palavras (1875-1876)
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História de um crime (1877-1878)
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O Papa (1878)
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Religiões e religião (1880)
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O burro (1880)
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Os quatro ventos do espírito (1881)
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Torquemada (1882)
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Teatro em liberdade (1886)
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O fim de Satanás (1886)
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Alpes e Pirineus (1890)
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Deus (1891)
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França e Bélgica (1892)
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Correspondência (1896-1898)
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Os anos sombrios (1898)
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Último feixe (1902)
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Recompensa em mil francos (1934)
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Pedras (1951)
Os miseráveis
Os miseráveis é uma obra extensa, de fôlego. Devido a isso, algumas editoras optam pela publicação em mais de um volume. De qualquer modo, o livro é dividido em cinco partes:
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“Fantini”;
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“Cosette”;
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“Marius”;
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“O idílio da rue Plumet e a epopeia da rue Saint-Denis”;
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“Jean Valjean”.
No final do século XVIII, o protagonista, Jean Valjean, vivendo em extrema pobreza, acaba roubando um pão e, por isso, é condenado às galés, trabalhos forçados, pena desumana que dura dezenove anos: “Cinco anos por roubo e arrombamento. Catorze anos por haver tentado fugir quatro vezes”. Depois de cumprir sua pena, é obrigado a apresentar, na delegacia de cada cidade onde esteja, um passaporte amarelo que o identifica como ex-presidiário. Assim, não pode conseguir nem emprego nem hospedagem, ou seja, continua sendo punido. Porém, em 1815, ele encontra o bispo Charles Myriel, que lhe dá abrigo, um ato de generosidade com o qual Valjean não está acostumado.
A obra faz uma crítica sociopolítica, ataca o sistema carcerário e suas injustiças. Em função disso, o narrador manifesta-se de forma a convencer leitores e leitoras de que havia um problema na sociedade francesa do século XIX. Portanto, há uma intenção política por trás da descrição do herói feita pelo narrador:
“Jean Valjean era filho de uma pobre família de camponeses de Brie. Em sua meninice, não havia aprendido a ler. Adulto, tornou-se podador de árvores em Faverolles. [...] Jean Valjean era de caráter pensativo, sem ser triste, o que é próprio das naturezas afetuosas. No conjunto, portanto, nada havia de mais calmo e de mais insignificante, ao menos na aparência, do que Jean Valjean. Ainda pequeno, perdera pai e mãe. [...]. Ficou-lhe somente uma irmã mais velha, viúva, com sete filhos, meninos e meninas. Essa irmã havia criado Jean Valjean e, logo que se casou, deu-lhe casa e comida. O marido morreu. O mais velho dos sete filhos tinha oito anos, e o mais novo apenas um. Jean Valjean acabava de completar vinte e cinco. Fez as vezes de pai e sustentou a irmã que o havia criado. Isso foi feito simplesmente, como um dever, até mesmo com uma espécie de teimosia da parte de Jean Valjean. Sua juventude foi esbanjada num trabalho rude e mal pago.”
O narrador pretende demonstrar a injustiça social e sugerir que ela é uma das causas da prisão do herói:
“Concordou que havia cometido uma ação desesperada e reprovável; que, talvez, se tivesse pedido, não lhe haveriam de recusar aquele pão; que, em último caso, deveria confiar na caridade ou no próprio trabalho; que, afinal, não era razão suficiente afirmar-se que não se pode esperar quando se tem fome. Além de tudo, que é coisa rara morrer-se só porque se tem fome, pois o homem, feliz ou infelizmente, é feito de tal modo que pode sofrer intensamente e por muito tempo, no espírito ou no corpo, sem morrer; era necessário, portanto, ter paciência, o que teria sido até melhor para aquelas pobres crianças, porque afinal era absurdo ele, infeliz e mesquinho como era, querer pegar toda uma sociedade pelo pescoço, e ter pensado que é pelo roubo que se foge à miséria, pois é impossível sair-se da miséria pela porta que leva à infâmia; enfim, ele estava errado.”|1|
No entanto, na casa do bispo, seis talheres de prata chamam a atenção de Jean, que os rouba e foge. Pego pela polícia, recebe o perdão do bispo, que afirma, diante da autoridade policial, que deu os talheres ao homem. Assim, esse ato de generosidade, acrescido ao primeiro, realiza uma transformação no herói. Jean Valjean muda sua identidade, passa a se chamar Madeleine, torna-se dono de uma fábrica e enriquece.
É, enfim, uma pessoa respeitada pela sociedade. Tem, inclusive, uma filha adotiva — Cosette —, filha de Fantine, que trabalhava na fábrica de Madeleine e enviava dinheiro para a filha, a qual era maltratada pelos Thenadièrs, uma família de vigaristas. Resgatada por Madeleine, Cosette cresce e se casa com Marius. Porém, o passado de Madeleine o assombra, na figura do inspetor Javert, um dos vilões da história, que quer destruir tudo que Madeleine construiu.
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Frases de Victor Hugo
A seguir, vamos ler algumas frases de Victor Hugo retiradas do prefácio ao livro O último dia de um condenado|2|:
“Lavar as mãos está bem, mas impedir o sangue de correr é melhor.”
“O cadafalso é o único edifício que as revoluções não demolem.”
“O cadafalso político é o mais abominável, o mais funesto, o mais venenoso e o mais necessário de extirpar de todos os cadafalsos.”
“Pobres diabos, que a fome impele ao roubo e o roubo ao resto.”
“Tudo isto é horrível, mas é a verdade.”
“Não é preciso o carrasco, onde o carcereiro basta.”
“Vingar-se é atributo do indivíduo, punir é de Deus.”
“O menor vislumbre da lógica desbarata todos os maus raciocínios.”
“Sob a mão de veludo do juiz sentem-se as garras do carrasco.”
“Muitas vezes preferimos as razões do sentimento às razões da razão.”
“O edifício social do passado assentava sobre três colunas: o padre, o rei e o carrasco.”
“A civilização não é mais do que uma série de transformações sucessivas.”
Notas
|1| Tradução: Frederico Ozanam Pessoa de Barros.
|2| Tradução: editora (zero papel).
Crédito da imagem
[1] Companhia das Letras (reprodução)