Tipos de narrador

Por Warley Souza

Os tipos de narrador são o narrador personagem (em primeira pessoa), que participa da história; o narrador observador (em terceira pessoa), que apenas narra o que vê; e o narrador onisciente (também em terceira pessoa), que tem total conhecimento de personagens e fatos.

Cada um desses narradores tem um ponto de vista, isto é, um foco narrativo, uma perspectiva particular da história.

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Foco narrativo

Uma história pode ser narrada de diferentes perspectivas, isto é, de distintos pontos de vista. O narrador pode fazer parte da trama e, assim, expor sua visão particular dos fatos, mas pode também estar de fora, apenas como um observador dos acontecimentos ou mesmo detentor de um conhecimento prévio acerca do enredo. Essas diferentes maneiras de narrar-se uma história chamamos de foco narrativo.

Desse modo, a escolha do foco narrativo determina os rumos da narrativa. Assim, decidir que tipo de narrador fará o relato dos fatos é uma das primeiras preocupações do criador da obra, ou seja, o autor. Aliás, é importante ressaltar que autor e narrador são seres distintos. O autor ou autora é um ser real, um indivíduo de carne e osso, que cria, planeja e escreve a história. Já o narrador é a voz que narra os acontecimentos, um ser fictício, mesmo que não faça parte, como personagem, da trama.

Para ficar mais claro, imagine um romance policial de Agatha Christie (1890-1976), narrado por um narrador que apenas observa a história. Ocorreu um crime no início da obra. Caberá, portanto, ao detetive Hercule Poirot, e também ao leitor ou leitora, descobrir o culpado. Se você acha que a voz que narra é da própria Agatha Christie, pode achar, também, que a história de fato aconteceu, e sua conclusão seria coerente, já que uma pessoa real está relatando os fatos, porém a voz que conta a história é tão fictícia quanto a própria história, o que permite à autora total liberdade de criação.

Portanto, o narrador, de acordo com seu foco narrativo, fará o direcionamento da história, pois o ponto de vista determina como o enredo deve ser estruturado. Assim, o narrador pode ser um participante dos acontecimentos ou apenas um intérprete dos fatos narrados, ser um narrador em primeira ou terceira pessoa, parcial ou imparcial, centrado nos fatos ou nos personagens, focado em seus pensamentos ou em suas ações.

Tipos de narrador

  • Narrador personagem

É um narrador em primeira pessoa, portanto, é um personagem da história. Assim, ele não só relata os fatos, como também participa dos acontecimentos narrados:

“Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante. Você tem um passe para a roda-gigante, uma senha, um código, sei lá. Você fala qualquer coisa tipo bá, por exemplo, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar junto com os outros. Mas eu fico sempre do lado de fora. Aqui parada, sem saber a palavra certa, sem conseguir adivinhar. Olhando de fora, a cara cheia, louca de vontade de estar lá, rodando junto com eles nessa roda idiota — tá me entendendo, garotão?”

Trecho do conto Dama da noite, de Caio Fernando Abreu.

“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.”

Trecho do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis.

  • Narrador observador

É um narrador em terceira pessoa e narra apenas o que vê, o que observa, isto é, não participa da história e nem tem conhecimento total dos fatos e personagens:

“O sol estava começando a abaixar e a luz da tarde estava sobre a paisagem quando desceram a colina. Até agora não tinham encontrado vivalma na estrada. [...]. Já estavam andando havia uma hora ou mais quando Sam parou por um momento, como se escutasse algo. Estavam agora em terreno plano, e a estrada, depois de muitas curvas, estendia-se em linha reta através de um capinzal salpicado de árvores altas, [...].”

Trecho do romance O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien, tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves.

“Em seguida, os homens caíram na gargalhada ao ver o garoto enfurecido, empunhando uma espada que mais parecia um brinquedo. Um deles segurou Abel pela túnica, de modo a deixá-lo imobilizado. Ainda assim, ele agitava a espada no ar, tentando atingir seu desafeto, o que só fez crescer o riso de todos.”

Trecho do romance A lenda de Abelardo, de Dionisio Jacob.

  • Narrador onisciente

É um narrador em terceira pessoa e tem total conhecimento dos fatos e dos personagens. Assim, ele conhece o passado, o presente e o futuro dos personagens, bem como seus pensamentos e sentimentos:

“Enfim — e era esse o motivo mais poderoso para que ninguém desejasse ver a pobre Linda —, havia a sua aparência. Gorda, com a mocidade perdida, os dentes cariados, a pele pustulosa e aquele corpo — Ford! Era simplesmente impossível olhá-la sem sentir náuseas; sim, náuseas. Por isso, as pessoas das mais altas camadas estavam firmemente decididas a não ver Linda. E, quanto a esta, também não tinha desejo algum de vê-las. A volta à civilização era, para ela, a volta ao soma; [...]. O soma não trazia nenhuma dessas consequências desagradáveis. Proporcionava um esquecimento perfeito, e se o despertar era desagradável, não o era intrinsecamente, mas apenas em comparação com as alegrias desfrutadas. [...] O dr. Shaw a princípio hesitou, depois consentiu que tomasse quanto quisesse.”

Trecho do romance Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, tradução de Lino Vallandro e Vidal Serrano.

“Clarissa fica ali parada com uma sensação de culpa, com as flores no braço, torcendo para que a estrela apareça de novo, constrangida com seu interesse. Ela não é dada a bajular celebridades, não mais do que a maioria das pessoas, mas não consegue evitar a atração exercida pela aura da fama — mais do que fama, imortalidade mesmo — [...]. Clarissa se deixa ficar parada ali, tola como qualquer fã, por mais alguns minutos, na esperança de ver a estrela surgir. Sim, só mais alguns minutos, antes que a humilhação se torne simplesmente demais. [...]. Depois de alguns minutos (quase dez, embora deteste admiti-lo), parte de supetão, indignada, [...].”

Trecho do romance As horas, de Michael Cunningham, tradução de Beth Vieira.

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Os tipos de narrador podem moldar uma história.

Exercícios resolvidos

Questão 1 - (Enem)

Miguilim

“De repente lá vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o claro de roupa. Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem trouxe o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, corado, alto, com um chapéu diferente, mesmo.

— Deus te abençoe, pequenino. Como é teu nome?

— Miguilim. Eu sou irmão do Dito.

— E o seu irmão Dito é o dono daqui?

— Não, meu senhor. O Ditinho está em glória.

O homem esbarrava o avanço do cavalo, que era zelado, manteúdo, formoso como nenhum outro. Redizia:

— Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua guarda... Mas que é que há, Miguilim?

Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso é que o encarava.

— Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista? Vamos até lá. Quem é que está em tua casa?

— É Mãe, e os meninos...

Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada.

O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo:

— Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você está enxergando? E agora?”

ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

Essa história, com narrador observador em terceira pessoa, apresenta os acontecimentos da perspectiva de Miguilim. O fato de o ponto de vista do narrador ter Miguilim como referência, inclusive espacial, fica explicitado em:

a) “O homem trouxe o cavalo cá bem junto.”

b) “Ele era de óculos, corado, alto [...].”

c) “O homem esbarrava o avanço do cavalo, [...].”

d) “Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, [...].”

e) “Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos.”

Resolução

Alternativa A. O narrador tem Miguilim como referência. Isso está explicitado, inclusive do ponto de vista espacial, em “O homem trouxe o cavalo cá bem junto”. A presença do advérbio de lugar “cá” indica o ponto de vista do personagem Miguilim.

Questão 2 - (Enem)

“Acordei pela madrugada. A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco. Veio-me então o desejo de não passar mais nem uma hora naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.

Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?”

LINS, O. A partida. Melhores contos. Seleção e prefácio de Sandra Nitrini. São Paulo: Global, 2003.

No texto, o personagem narrador, na iminência da partida, descreve a sua hesitação em separar-se da avó. Esse sentimento contraditório fica claramente expresso no trecho:

a) “A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir.”

b) “Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco.”

c) “Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama.”

d) “Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e amor.”

e) “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras...”

Resolução

Alternativa E. O questionamento do narrador — “Deveria fugir ou falar com ela?” — indica a sua hesitação.

Questão 3 - (Enem)

Texto I

“[...] já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi o tempo em que reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda “ordem”; mas não tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafúrdio — definitivamente fora de foco — cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi conscientemente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo dos grandes indiferentes [...].”

NASSAR, R. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

Texto II

“Raduan Nassar lançou a novela Um Copo de Cólera em 1978, fervilhante narrativa de um confronto verbal entre amantes, em que a fúria das palavras cortantes se estilhaçava no ar. O embate conjugal ecoava o autoritário discurso do poder e da submissão de um Brasil que vivia sob o jugo da ditadura militar.”

COMODO, R. Um silêncio inquietante. IstoÉ. Disponível em: http://www.terra.com.br. Acesso em: 15 jul. 2009.

Considerando-se os textos apresentados e o contexto político e social no qual foi produzida a obra Um copo de cólera, verifica-se que o narrador, ao dirigir-se à sua parceira, nessa novela, tece um discurso

a) conformista, que procura defender as instituições nas quais repousava a autoridade do regime militar no Brasil, a saber: a Igreja, a família e o Estado.

b) pacifista, que procura defender os ideais libertários representativos da intelectualidade brasileira opositora à ditadura militar na década de 70 do século passado.

c) desmistificador, escrito em um discurso ágil e contundente, que critica os grandes princípios humanitários supostamente defendidos por sua interlocutora.

d) politizado, pois apela para o engajamento nas causas sociais e para a defesa dos direitos humanos como uma única forma de salvamento para a humanidade.

e) contraditório, ao acusar a sua interlocutora de compactuar com o regime repressor da ditadura militar, por meio da defesa de instituições como a família e a Igreja.

Resolução:

Alternativa C. O discurso do narrador é desmistificador, pois não romantiza, mostra as coisas como elas são. Ágil e contundente, critica os grandes princípios humanitários, quando diz: “[...], e você que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso!”.

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Fagundes Varela

Famoso poeta brasileiro, fez parte da segunda geração romântica.

Tipos de predicado

O predicado é um termo essencial da oração que faz uma afirmação sobre o sujeito.

Adjunto adverbial

Indica uma condição em relação a um verbo, adjetivo ou outro advérbio.

Falsos sinônimos

Podem provocar efeitos indesejados na comunicação, entre eles a ambiguidade.

Palavras aportuguesadas

As palavras aportuguesadas são aquelas de origem estrangeira que foram adaptadas às normas ortográficas da língua portuguesa.

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