O sofrimento, a angústia e a dor existencial estão entre os principais temas da literatura produzida durante a segunda geração do Romantismo brasileiro.
Último soneto
Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!... Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!
O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.
Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
O poema que você leu agora é de autoria de Álvares de Azevedo, principal representante da segunda geração do Romantismo brasileiro. Findada a primeira fase romântica, fase em que o índio, a natureza e a pátria constavam entre os principais temas, tiveram início a prosa e a poesia gótica, cujo conteúdo temático em muito diferia daquele que despertava o interesse de escritores como Gonçalves Dias e José de Alencar. A literatura indianista deu lugar à literatura soturna e melancólica dos escritores ultrarromânticos.
O sofrimento, a dor existencial, a angústia e o amor sensual e idealizado foram os principais temas da literatura produzida durante a segunda fase do Romantismo. A publicação do livro Poesias, de Álvares de Azevedo, em 1853, foi considerada o marco inicial da poesia de inspiração gótica. Outros escritores também fizeram do ultrarromantismo seu projeto literário, entre eles Fagundes Varela, Junqueira Freire e Casimiro de Abreu, fortemente inspirados pelo inglês Lord Byron, pelo italiano Giacomo Leopardi e pelos franceses Alphonse de Lamartine e Alfred de Musset.
Visões da noite
Passai, tristes fantasmas! O que é feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmóreo leito!
Outras no encalço de fatal proveito
Buscam à noite as saturnais escuras,
Onde, empenhando as murchas formosuras,
Ao demônio do ouro rendem preito!
Todas sem mais amor! sem mais paixões!
Mais uma fibra trêmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!
Pálidas sombras de ilusão perdida,
Minh’alma está deserta de emoções,
Passai, passai, não me poupeis a vida!
Fagundes Varela
Nunca antes a poesia e a prosa brasileira haviam experimentado assuntos que alcançassem um grau tão elevado de subjetivismo, percorrendo temas como o amor e a morte, a dúvida e a ironia, o entusiasmo e o tédio. Houve uma ruptura drástica com os padrões literários vigentes e também com os valores da sociedade, já que a literatura da segunda fase romântica afrontou o materialismo e o racionalismo burgueses, desbravando zonas antilógicas do subconsciente, apresentado temas pouco ortodoxos que foram capazes de causar repulsa e estranhamento na crítica literária e no público.
A exacerbação da sentimentalidade e a morbidez estão entre os aspectos que definem a estética ultrarromântica. Na obra de Álvares de Azevedo, considerado o poeta mais importante de sua geração, é comum encontrar expressões que transportam o leitor para um universo mórbido e depressivo. É importante observar também o contraponto estabelecido com a poética de Augusto dos Anjos, tido como o mais original dos poetas brasileiros, aquele cujo gosto por termos científicos e pela escatologia influenciaram sobremaneira os poetas ultrarromânticos.
“(...) Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe
E de amorosos prantos perfumá-la...
E a essência dos cânticos divinos
No túmulo da virgem derramá-la.
Que importa que ela durma descorada
E velasse o palor a cor do pejo?
Quero a delícia que o amor sonhava
Nos lábios dela pressentir num beijo.
Desbotada coroa do poeta!
Foi ela mesma quem prendeu-te flores!
Ungiu-as no sacrário de seu peito
Inda virgem do alento dos amores!...
Na minha fronte riu de ti, passando,
Dos sepulcros o vento peregrino...
Irei eu mesmo desfolhar-te agora
Da fronte dela no palor divino!...
E contudo eu sonhava! e pressuroso
Da esperança o licor sorvi sedento!
Ai! que tudo passou!... só resta agora
O sorriso de um anjo macilento! (...)”
(Fragmento do poema “Virgem morta”, Álvares de Azevedo)
Entre as principais obras do período estão o livro de poemas Lira dos Vinte Anos, o livro de contos Noite na taverna, a peça teatral Macário — todos de Álvares de Azevedo —, Primaveras, de Casimiro de Abreu, Noturnas e Vozes da América, de Fagundes Varela, e o livro póstumo Poesias Completas, de Junqueira Freire. Essas obras, sobretudo a obra de Álvares de Azevedo, permanecem vivas no mundo da subcultura, influenciando outras manifestações artísticas, entre elas a música e o cinema, e oferecendo vasta documentação para a psicanálise, que tenta desvendar o desencantamento dos escritores ultrarromânticos.
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