Ao defender uma literatura livre das teorias ideologizantes e próxima da arte metafísica, o Presencismo distanciou-se da literatura socialmente engajada proposta pelo Orfismo.
O texto que você vai ler agora é de autoria do escritor José Régio e foi publicado na primeira edição da revista Presença, Folha de Arte e Crítica, responsável por divulgar os ideais da literatura presencista. Régio, porta-voz e líder do grupo, definiu a proposta estética daquela que seria considerada a segunda fase do modernismo em Portugal, dando continuidade às conquistas dos primeiros modernistas:
Originalidade Verdadeira e Originalidade Falseada
Em Arte, é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é pois ter uma personalidade e obedecer-lhe. Ora como o que personaliza um artista é, ao menos superficialmente, o que o diferencia dos demais, (artistas ou não) certa sinonímia nasceu entre o adjectivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo: o adjectivoexcêntrico, estranho, extravagante, bizarro... Eis como é falsa toda a originalidade calculada e astuciosa.
Eis como também pertence à literatura morta aquela em que um autor pretende ser original sem personalidade própria. A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas - mas só quando naturais a um dado temperamento artístico. Sobre outras qualidades, o produto desses temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto. Afectadas, semelhantes qualidades não passarão dum truque literário.
(José Régio, in 'Presença, Folha de Arte e Crítica, primeira edição, 10/03/1927)
O Presencismo, movimento literário português cuja designação e ideário estão vinculados à revista Presença, foi fundado em Coimbra pelos então estudantes José Régio, João Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca e Adolfo Correia da Rocha. Posteriormente, outros nomes juntaram-se ao grupo, entre eles o escritor Adolfo Casais Monteiro, que, após a saída de Fonseca e Rocha (que então passaria a utilizar o pseudônimo de Miguel Torga), passou a integrar o corpo diretivo da revista. Ao apresentar o propósito de isenção ideológica e aceitar em suas colunas colaboradores de qualquer credo político, religioso e moral, a revista Presença gerou polêmica, pois, de acordo com intelectuais contrários à estética do Presencismo, tal atitude significava um retrocesso em relação ao modernismo órfico, cuja principal característica era a defesa de uma arte engajada.
Os presencistas defendiam um ideal de arte que muito lembrava a “arte pela arte”, conceito primordial da literatura produzida no século XIX. Contraditoriamente, buscavam atrelar o seu ideário às linhas avançadas da modernidade, espelhando-se nas correntes revolucionárias que eclodiram na Europa após a Primeira Guerra Mundial. Nomes como Proust, Max Jacob, André Breton, Reverdy, Jean Cocteau, André Gide, Dostoiévski, entre outros, influenciaram a criação de uma literatura introspectiva e intimista, próxima das teorias do inconsciente humano defendidas por Sigmund Freud e distante da literatura de ênfase social que tanto norteou a estética orfista. Esse distanciamento rendeu ao Presencismo o incômodo rótulo de “literatura alienada”, alheia à crise política, social e econômica enfrentada pela Europa àquela época.
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
Miguel Torga
O Presencismo associou-se a uma concepção de arte metafísica e abstrata na qual a subjetividade era mais importante do que a verdade objetiva ou racional, esse último conceito presente na literatura orfista. Guardadas as diferenças ideológicas, os escritores presencistas reconheciam a importância do Orfismo para a ampliação do panorama cultural português e para a ruptura definitiva com a tradição simbolista vigente. Divulgar as conquistas da primeira geração e consolidar o modernismo em Portugal foi a principal contribuição do Presencismo, estética que vigorou até o ano de 1940, mesmo ano em que a revista Presença deixou de circular e no mesmo momento em que o Neorrealismo ganhou lugar no gosto do público.