Ferreira Gullar: um dos representantes da poesia social
Em se tratando dos movimentos literários, torna-se evidente que alguns se complementam e outros se opõem em relação às suas ideologias. Em face dessa realidade, tomemos como exemplo o Concretismo, cujo foco se voltou muito mais para a forma do que para o conteúdo propriamente dito. Assim, seus seguidores optaram por trabalhar a parte material da palavra, explorando-a nos seus mais íntimos aspectos, sobretudo os sonoros, visuais e semânticos, fazendo do visual, do simbólico, seu ponto de partida e, por que não dizer?, de chegada, haja vista que a poesia concreta ainda é bastante influente no panorama literário vigente.
Dessa forma, como afirmado anteriormente, em consonância com esse movimento (o Concretismo), surgiu a poesia social, atuando como uma espécie de contraposição ao radicalismo cultuado pelo movimento anterior. Os autores dessa modalidade de poesia, diferentemente do que fizeram os concretistas, reabilitaram o verso e o sentimento lírico por excelência, fazendo de tais recursos um instrumento de denúncia social.
Frente a essa linha de pensamento, autores como Ferreira Gullar, Thiago de Melo e Afonso Romano de Sant’Anna fizeram da palavra, demarcada por uma linguagem beirada ao cotidiano, o principal alvo de participação junto aos problemas sociais e políticos que assolaram a época em questão.
Assim, de modo a constatarmos tais pressupostos, analisemos uma das muitas criações de Ferreira Gullar, intitulada “Não há vagas”:
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em seus arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras.
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede nem cheira.
Como afirmam notáveis estudiosos, emerge de Ferreira Gullar uma autêntica relação demarcada pelo corpo a corpo com a poesia, cuja habilidade se faz vista pela busca da expressão, a qual se dá por intermédio do sofrimento do povo, dos fatos relativos ao próprio cotidiano (como ocorre no poema em questão). Enfim, podemos atestar no poema uma nítida crítica, assim como afirmado anteriormente, cujo alvo principal é a realidade circundante, levando em conta as mazelas oriundas dos fatos sociais de uma forma geral. Tais pressupostos se manifestam noutra de suas criações, intitulada “Agosto 1964” :
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro - Leblon.
Viajo do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógios de lilazes, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito
policial-militar.
Digo adeus à ilusão
Mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos
um artefato.
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