Padre Antônio Vieira é considerado o principal autor do barroco do Brasil e de Portugal. Grande orador de sua época, pregava com eloquência para índios, brancos, negros, brasileiros, africanos, portugueses, dominadores e dominados. Seus sermões, apesar de quase sempre direcionados à pregação do cristianismo, também serviram às causas políticas de seu tempo, como a defesa do índio e da colônia.
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Biografia de Padre Antônio Vieira
Padre Antônio Vieira, que foi missionário, teólogo, diplomata e orador, nasceu em Lisboa, Portugal, em 6 de fevereiro de 1608. Em 1614, ainda criança, com 6 anos de idade, veio para o Brasil com sua família, estabelecendo-se na Bahia, onde, desde 1609, seu pai exercia o cargo de escrivão. Pouco depois de chegar à Bahia, Vieira ingressou no Colégio dos Jesuítas de Salvador (BA).
Ordenado padre, iniciou sua carreira de pregador em 1633. Posteriormente retornou a Portugal, onde participou ativamente da vida política, colocando-se em defesa dos cristãos-novos e despertando o ódio da Inquisição, o que resultou em sua prisão.
Foi conselheiro de Dom João IV, rei de Portugal, além de ser mediador e representante de Portugal em relações econômicas e políticas com outros países. De volta ao Brasil, estabeleceu-se no Maranhão, onde se dedicou à evangelização dos índios, defendendo-os dos colonos.
Esse conflito resultou em sua expulsão e de todos os jesuítas do Brasil. Retornou a Portugal, onde foi perseguido e processado pela Inquisição; após o perdão, foi para Roma, onde pregou durante alguns anos. Em 1861, Padre Antônio Vieira retornou ao Brasil, momento em que organizou seus sermões para publicação. Morreu em 1697, no Colégio da Bahia.
Características literárias de Padre Antônio Vieira
A prosa de Padre Antônio Vieira, uma das principais expressões do barroco brasileiro e português, tem as seguintes características principais:
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linguagem metafórica;
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inversões sintáticas;
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vocabulário rebuscado;
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temáticas religiosas;
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temáticas morais e comportamentais;
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defesa do indígena;
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crítica às desigualdades sociais;
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intertextualidades bíblicas e com outros textos religiosos, como os de Santo Agostinho.
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Obras de Padre Antônio Vieira
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Sermão do Bonsucesso das Armas de Portugal contra os de Holanda (Bahia, 1640);
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Sermão da Sexagésima (Lisboa, 1655);
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Sermão de Santo Antonio aos Peixes (Maranhão, 1653);
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Sermão da Primeira Dominga da Quaresma (Maranhão, 1653);
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Sermão do Mandato (Lisboa, 1643);
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Sermão do Rosário (Bahia, 1633).
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Esperanças de Portugal (1659);
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História do Futuro (1718);
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Clavis Prophetarum (obra inédita e só traduzida e publicada em 2000).
Sermões
Um de seus mais famosos sermões intitula-se “O Sermão a Santo Antônio”, também conhecido como “Sermão aos peixes”, proferido em São Luís, no Maranhão, em 1654. Veja um trecho dessa obra direcionada à aristocracia colonial:
“Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: «Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros.» Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.”
Nesse trecho do sermão de Padre Antônio Vieira, observam-se marcas estilísticas tipicamente barrocas, como o uso de metáforas, o que é perceptível quando se observa o interlocutor a quem se dirige o sermão: os peixes. Além disso, nota-se a presença de inversões sintáticas e jogos de palavras, como no trecho: “ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.”
Além desses recursos típicos do barroco, percebe-se que o tom de crítica social, uma das marcas dos sermões de Vieira, compõe a temática do texto, já que se denuncia a desigualdade social constitutiva da sociedade maranhense, marcada por uma sólida pirâmide social em que os pobres constituem uma larga base, ao passo que a elite figura no topo.
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Frases de Padre Antônio Vieira
“A maior gula da natureza racional é o desejo de saber.”
“Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem.”
“O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive.”
“A boa educação é moeda de ouro. Em toda a parte tem valor.”
“Nenhuma coisa desengana a quem quer enganar-se.”
“Muitos cuidam da reputação, mas não da consciência.”
“Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar.”
“Em havendo olhos maus, não há obras boas.”
“Do sábio é próprio mudar o parecer.”
“Amar a quem nos aborrece, é ato de generosidade; aborrecer a quem nos ama, é ato de ingratidão.”
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