Murilo Mendes recusou as formas batidas de fazer poesia, desarticulando a ordem convencional em busca de uma poesia cósmica, social e mística.
Murilo Monteiro Mendes, ou apenas Murilo Mendes, foi um de nossos mais importantes poetas brasileiros. Representante da Geração de 1930 (também conhecida como Segunda Geração Modernista), recusou as formas batidas e a poesia convencional, transitando pelo surrealismo, pela poesia religiosa e também pelo poema humorístico. Publicou livros de poemas, de prosa e de frases, deixando uma inestimável contribuição para a moderna literatura brasileira.
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Breve biografia e características literárias
O poeta nasceu no dia 13 de maio de 1901, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Aos nove anos de idade, já revelava sua inclinação para a poesia: ao assistir à passagem do Cometa Halley, teria tido uma revelação poética, fato que se repetiria em 1917, quando o poeta fugiu do colégio em Niterói para assistir, na capital fluminense, às apresentações do bailarino Nijinski. Começou o curso de Direito, mas não concluiu, e ao longo de sua vida mostrou ser um homem inquieto, tendo exercido várias atividades, entre elas foi auxiliar de guarda-livros, prático de dentista, telegrafista e inspetor federal de ensino. A mesma inquietação pode ser percebida em sua obra, que passou por diversas transformações de linguagem.
Murilo Mendes estreou nas revistas do Modernismo e conheceu de perto a poética primitivista e surrealista. Em 1934, converteu-se ao catolicismo e integrou o chamado 'grupo de poetas religiosos', do qual faziam parte Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, entre outros. Foi grande defensor da liberdade política e estética. Seu pensamento multiplicava a realidade, potencializando as imagens cotidianas em um clima onírico e alucinatório, características que sempre envolveram sua poesia, exceto nos poemas humorísticos anteriores a 1930.
Corte transversal do poema
A música do espaço pára, a noite se divide em dois pedaços.
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça,
fica com um braço de fora.
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos.
Um anjo cinzento bate as asas
em torno da lâmpada.
Meu pensamento desloca uma perna,
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados.
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia,
um olho andando, com duas pernas.
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem.
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios.
Só tenho o outro lado da energia,
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou.
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O poeta jamais se rendeu às formas antiquadas, e sua poesia serviu de inspiração para outros poetas, entre eles João Cabral de Melo Neto, que certa vez declarou: “a poesia de Murilo me foi sempre mestra, pela plasticidade e novidade da imagem. Sobretudo foi ela quem me ensinou a dar precedência à imagem sobre a mensagem, ao plástico sobre o discursivo”. A escrita de Murilo Mendes aliava futurismo, reconhecível na montagem do poema, e o surrealismo, estética presente na sequência onírica, associação que culminaria “nas relações insólitas que emergem do fluxo pré-consciente”. (BOSI, 1994) |1|
Metade pássaro
A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estátuas,
Dá de sonhar aos poetas.
A mulher do fim do mundo
Chama a luz com assobio,
Faz a virgem virar pedra,
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos,
Escreve cartas aos rios,
Me puxa do sono eterno
Para os seus braços que cantam.
Na década de 1950 viveu quase que exclusivamente na Europa e, a partir de 1957, ensinou literatura brasileira na Universidade de Roma. Em 1972, foi agraciado com o prêmio internacional de poesia Etna-Taormina e, nesse mesmo ano, fez sua última visita ao Brasil. Faleceu em Lisboa, no dia 13 de agosto de 1975, aos 74 anos de idade, deixando várias obras inéditas, publicadas postumamente na Europa e no Brasil. Sua obra atemporal tem despertado cada vez mais o interesse dos jovens, sendo também objeto de estudo de teses de mestrado e doutoramento no Brasil e no estrangeiro.
Adivinho nos planos da consciência
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!
Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.
(O homem, a luta e a eternidade - Murilo Mendes)
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Obras de Murilo Mendes
Poemas (1930), Bumba-meu-poeta (1930), História do Brasil (1933), Tempo e eternidade - com Jorge de Lima (1935), A poesia em pânico (1937), O Visionário (1941), As metamorfoses (1944), Mundo enigma e O discípulo de Emaús (1945), Poesia liberdade (1947), Janela do caos - França (1949), Contemplação de Ouro Preto (1954), Office humain - França (1954), Poesias (1959), Tempo espanhol - Portugal (1959), Siciliana - Itália (1959), Poesie - Itália (1961), Finestra del caos - Itália (1961), Siete poemas inéditos - Espanha (1961), Poemas - Espanha (1962), Antologia Poética - Portugal (1964), Le Metamorfosi - Itália (1964), Italianíssima (7 Murilogrami) - Itália 1965), Poemas inéditos de Murilo Mendes - Espanha (1965), A idade do serrote (1968), Convergência (1970), Poesia libertá - Itália (1971), Poliedro (1972), Retratos-relâmpagos, 1ª série (1973), Antologia Poética (1976) e Poesia Completa e Prosa (1994).
Notas
|1| BOSI, Alfredo. (1994). História Concisa da Literatura Brasileira. 40ª edição. São Paulo: Editora Cultrix. Págs. 446-451.
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