Aluísio Azevedo, autor de romances impactantes, como O mulato, O cortiço e Casa de pensão, é considerado o mais importante representante do naturalismo brasileiro. Estudioso de teorias científicas em destaque na segunda metade do século XIX, o escritor, que também foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, construiu seus romances aplicando conceitos positivistas e deterministas.
Tal aplicação resultou na constituição de personagens cujas ações no enredo são concebidas como frutos do meio geográfico em que acontecem, sendo esses personagens, por vezes, levados a atitudes animalescas. Além da aplicação de uma abordagem científica nos enredos, observa-se um forte teor de crítica às desigualdades sociais, o que torna a obra de Aluísio Azevedo um duro retrato da realidade brasileira.
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Biografia de Aluísio Azevedo
Aluísio Azevedo nasceu em 14 de abril de 1857, em São Luís, capital do Maranhão. Mudou-se para o Rio de Janeiro após cursar a educação primária em sua cidade natal. Na capital carioca, que, nesse contexto, era o grande centro cultural do país, estudou pintura e desenho, o que lhe possibilitou o exercício da profissão de caricaturista na imprensa da cidade. Após o falecimento de seu pai, retornou ao estado do Maranhão.
Nessa ocasião, escreveu alguns artigos sobre política nos quais atacava a sociedade tradicional, defensora de valores conservadores, e o clero, que detinha forte influência no século XIX. Seu primeiro livro literário, iniciado em 1880, foi o romance Uma lágrima de mulher. Essa obra, porém, não foi a mais significativa do autor. Seu destaque no meio literário deu-se em 1881 com a publicação do polêmico romance O mulato, considerado o primeiro romance naturalista da literatura brasileira.
Aluísio Azevedo mudou-se novamente para o Rio de Janeiro, onde, em 1895, ingressou na carreira diplomática, exercendo-a até a morte, em 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, Argentina.
Características literárias de Aluísio Azevedo
Aluísio Azevedo produziu uma obra plural, dividida entre romances românticos e romances naturalistas. Essa divisão de estilo foi intencional, já que o autor, apesar de desde o início de sua vida literária ter demonstrado afinidade com os ideais naturalistas, quis também produzir obras afinadas com as características do romantismo, por acreditar que seriam mais vendáveis.
São dessa fase romântica, tida pelo próprio autor como comercial, as seguintes obras:
- Uma lágrima de mulher (1880);
- Memórias de um condenado (reeditada com o título A condessa Vésper) (1882);
- Mistérios da Tijuca (reeditada com o título Girândola de amores) (1882);
- Filomena Borges (1884);
- O esqueleto;
- A mortalha de Alzira (1894).
Da fase naturalista, a mais importante de sua carreira, as principais obras são os romances:
- O mulato (1881);
- O cortiço (1890);
- Casa de pensão (1894).
Influenciado pela literatura do escritor francês Émile Zola e do escritor português Eça de Queirós, Aluísio Azevedo escreveu romances de tese, em que a sociedade era descrita e analisada à luz do determinismo social e do materialismo positivista, vertentes científicas em voga no final do século XIX, as quais compreendiam o ser humano como produto do meio e ser guiado por instintos animalescos. Destacam-se como principais características da literatura naturalista de Aluísio Azevedo:
- Observação e análise da realidade com base no determinismo, corrente sociológica segundo a qual o ser humano é resultado do meio que o cerca;
- Linguagem objetiva, aos moldes do discurso científico;
- Descrição de personagens com características animalescas e sensualizadas;
- Linguagem simples e objetiva;
- Crítica aos valores moralistas da época.
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Principais obras de Aluísio Azevedo
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O mulato
Nesse romance, publicado em 1881, considerado o marco inicial do naturalismo no Brasil, narra-se a história de Raimundo, filho de José Pedro da Silva, ex-traficante de escravos e comerciante, e de Domingas, uma mulher negra. Depois de seus estudos na Europa, onde morou desde a infância, o protagonista retorna a São Luís, capital do Maranhão, com o objetivo de receber a herança deixada pelo pai, já falecido, para estabelecer-se no Rio de Janeiro, então sede da Corte.
Raimundo, porém, desconhece a verdadeira história de sua origem. Como é revelado ao longo da narrativa, seu pai, após seu nascimento, fruto do relacionamento com a negra Domingas, casou-se com Quitéria, uma mulher branca. Esta, enciumada da relação de seu marido com Domingas, manda torturá-la a ponto de fazê-la enlouquecer.
José Pedro, com receio de que sua mulher pudesse fazer mal ao filho, leva-o da fazenda em que moravam para a casa do irmão, Manoel Pescada, em São Luís. Quando volta à sua propriedade, flagra sua esposa em adultério com o padre amigo da família. José Pedro, enraivecido, mata sua esposa na frente do padre, que se compromete a não denunciar o assassinato, já que, se o fizesse, o escândalo teria de envolvê-lo.
Tempos depois desse ocorrido, José Pedro é assassinado em uma emboscada. Após isso, o padre começa a frequentar a casa de Manoel Pescada, tio de Raimundo, passando a exercer grande influência na família. Quando Raimundo volta da Europa, onde estudava, desconhece toda essa história.
Em São Luís, o jovem apaixona-se pela prima Ana Rosa, filha de Manuel Pescada. No entanto, a concretização desse amor enfrenta fortes obstáculos, sendo o preconceito racial o principal, já que Raimundo é mulato. Além disso, Ana Rosa estava prometida a Dias, um funcionário de seu pai. Quando Raimundo insiste em querer casar-se com Ana Rosa, o tio confessa-lhe que, apesar de ele ser um homem educado e bem apresentável, não pode conceder a mão de sua filha ao filho de uma escrava.
Raimundo e Ana Rosa decidem fugir, mas a fuga é descoberta e impedida pela família. Indignada, Ana Rosa revela à família sua gravidez. Após isso, Raimundo é expulso e, ao voltar para a fazenda que era de seu pai, é assassinado por Dias. Ana Rosa, que estava grávida, acaba sofrendo um aborto. Seis anos depois, a história é concluída com Ana Rosa casada com Dias e sendo mãe de três filhos. Como fica evidente, nesse enredo, o teor crítico e irônico com que a sociedade é retratada, seja no âmbito do clero, seja na moral da burguesia maranhense, trata-se de uma marca da literatura de Aluísio Azevedo.
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O cortiço
Nesse romance, publicado em 1890, narra-se a vida pobre de famílias aglomeradas em um cortiço da cidade do Rio de Janeiro no século XIX, as quais sobrevivem sem as mínimas condições de higiene e de privacidade, expostas a violências e explorações. Nesse cenário, como agentes dessa exploração, têm-se alguns personagens privilegiados economicamente, como João Romão, o qual enriquece ilicitamente aplicando pequenos golpes contra os clientes de seu comércio, além da exploração que faz de sua amante Bertoleza.
Além da atividade comercial, João Romão torna-se proprietário de um conjunto de cômodos de aluguel, o que forma o cortiço, e da pedreira que fica ao fundo do terreno. Com o aumento de sua renda com esses negócios, passa a dedicar-se também a aplicações financeiras. Ao longo da narrativa, à medida que cresce seu poderio econômico, esse personagem vai se tornando mais refinado e acaba deixando para trás sua amante.
Outros personagens habitam esse universo do cortiço, como Rita Baiana e Jerônimo, envoltos situações de violência e traição, e como Pombinha, moça culta e séria, mas que acaba sendo desvirtuada pelo meio em que vive. O cortiço é, assim, uma das mais importantes obras naturalistas brasileiras, pois escancara a realidade desigual do país, já latente no século XIX, além de que explicita as teses naturalistas, como a máxima de que o meio corrompe o indivíduo.
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Casa de pensão
Esse romance, publicado em 1894, narra a história de Amâncio, jovem que, para libertar-se do rigor de sua família, deixa o Maranhão, sua terra natal, com a finalidade de viver no Rio de Janeiro. Nessa capital, centro econômico e político da República, aloja-se na casa de pensão de Madame Brizard, local totalmente diferente de sua casa paterna, já que nessa nova morada a promiscuidade paira em cada cômodo, resultado da presença de diversos tipos de inquilinos.
Esse cenário possibilitou a Aluízio Azevedo narrar uma série de comportamentos degradantes, desonestos e viciosos, o que torna essa obra uma tese determinista muito defendida pelos escritores naturalistas, segundo a qual o homem é corrompido pelo meio em que vive, assim como acontece em O cortiço.