Deparamo-nos com uma trajetória sinuosa, mediante práticas linguísticas voltadas para as conjugações verbais
O universo gramatical nem sempre nos faz percorrer caminhos apenas retilíneos – ao contrário, muitas vezes nos deparamos com trechos sinuosos, nos quais, algumas curvaturas, a depender de nossa competência linguística, fazem com que nos percamos caminho afora.
Neste texto, ressaltaremos a complexidade dos fatos linguísticos que nos põem em xeque, sobretudo em se tratando de circunstâncias específicas de interlocução. Exemplos deles? Ah! Sem dúvida que são vários, mas daremos prioridade às conjugações verbais – circunstâncias estas que demarcam rotineiramente nossas interações enquanto usuários da língua.
Seria mais fácil, bem como mais cômodo, se pudéssemos apenas interiorizar os sufixos indicadores de tempo e modo, assim como memorizar as desinências que demarcam número e pessoa. Assim, tal prática linguística estaria plenamente realizada. Mas não é bem assim que acontece, haja vista que desde a mais tenra idade somos compelidos a fazer algumas diferenciações, manifestadas por situações mais ou menos assim: “eu cantei”, “ele falou”, eu “trouxe”, “ele coube”.
Se todas as conjugações verbais obedecessem ao que conhecemos como paradigma, por certo metade das confusões que ora afloram estariam sanadas. Assim sendo, o fato é que não há como negar: para conjugar um verbo é preciso atribuir a ele todas as características das quais ele prescinde, levando em consideração os aspectos e as peculiaridades que o norteiam.
Dessa forma, façamos uma breve viagem pelo mundo dos verbos, com vistas a enfatizar justamente aqueles trechos em que as “curvaturas” se mostram ainda mais acentuadas, cuidando para que não fiquemos perdidos pelo meio da trajetória, ok?
Para tanto, eis que alguns exemplos ilustram as sinuosidades:
Creio que ela esteje preparada para a apresentação.
Moradores permitem que vizinhos usam som automotivo nas redondezas.
Espero que eles trazem boas lembranças da fantástica viagem que fizeram.
Em ambos os casos, torna-se evidente a necessidade de flexionar os verbos em evidência, ajustando-os quanto ao modo e tempo, que, no caso, dizem respeito ao presente do modo subjuntivo. Assim, vejamos:
Creio que ela esteja preparada para a apresentação.
Moradores permitem que vizinhos usem som automotivo nas redondezas.
Espero que eles tragam boas lembranças da fantástica viagem que fizeram.
Se você trouxesse a encomenda, eu ficarei feliz.
Notamos que não houve correlação entre os tempos e modos verbais, haja vista que o correto seria, ao fazer uso do pretérito imperfeito do modo subjuntivo, correlacioná-lo ao futuro do pretérito do indicativo. Assim, veja:
Se você trouxesse a encomenda, eu ficaria feliz.
Vejamos alguns casos de correlações consideradas corretas:
- Pretérito perfeito do indicativo + pretérito imperfeito do subjuntivo:
Recomendei que ele trouxesse a encomenda urgente.
- Futuro do subjuntivo + futuro do presente do indicativo:
Se ele trouxer a encomenda, eu ficarei satisfeito.
- Presente do indicativo + presente do subjuntivo:
Desejo que ele vença a maratona.
- Presente do indicativo + pretérito perfeito composto do subjuntivo:
Esperamos que eles tenham feito a pesquisa.
No imperativo afirmativo, algumas vezes há a troca das pessoas gramaticais, como em:
Fala mais baixo. No caso, fazemos referência à segunda pessoa (você). Assim, adequado seria:
Fale mais baixo.
Verbos impessoais também são alvo de descuidos, assim como:
Haviam alunos na sala.
Faziam dois meses que não o via.
No primeiro caso, o verbo “haver”, ora denotando sentido de “existir” somente é conjugado na terceira pessoa do singular, ou seja:
Havia alunos na sala.
No segundo exemplo, o verbo “fazer” expressa tempo decorrido, passado. Assim, correto é deixá-lo também na terceira pessoa do singular, isto é:
Fazia dois meses que não o via.
Podemos dizer “eu falo” se referindo ao verbo “falar”, mas nunca ao verbo “falir”, dada a ocorrência de as formas serem idênticas. Desse modo, somente é permitido conjugar o verbo “falir” (em se tratando do presente do modo indicativo), na primeira e segunda pessoa do plural, assim:
Nós falimos
Vós falis
Outro aspecto diz respeito às falsas derivações, assemelhando-se àquela expressão do “parece mas não é”:
Verbos como “provir”, o qual deriva do verbo “vir”, em nada se assemelham com alguns que parecem ter o mesmo destino, como é o caso do verbo “prover”, que não deriva do verbo “ver”. Nada de anormal se dissermos que o êxito proveio de intensa luta e esforço, mas nunca que ele proviu...
O verbo “intervir” nada mais é do que o verbo “vir” acompanhado do prefixo “-inter”. De mais a mais, nada de dizermos que ele interviu no processo de separação, uma vez que o correto é dizer que ele interveio no processo...
Mais um exemplo à vista: desta vez o verbo “conter”. Imagine que você tenha se deparado com algum discurso por aí, o qual assim se apresentava:
Se você não conter suas atitudes repentinas, tão logo não estaremos mais juntos. Sendo que o recomendável seria aplicar ao verbo em destaque a flexão adequada, ou seja:
Se você não contiver suas atitudes repentinas, tão logo não estaremos mais juntos.
Outro caso: alguns verbos, sobretudo os terminados em “-ear”, recebem a vogal “e” no radical das formas rizotônicas (fazendo referência às 1ª, 2ª, 3ª pessoas do singular e 3ª do plural do presente do indicativo). Dessa forma, vejamos:
Sempre que necessário, ele media o discurso.
Toda vez em que há contratempos, ele intermedia a discussão.
Eles ansiam por novas medidas de segurança.
Reformulando os enunciados, obtemos:
Sempre que necessário, ele medeia o discurso.
Toda vez em que há contratempos, ele intermedeia a discussão.
Eles anseiam por novas medidas de segurança.
Esperamos ter ampliado ainda mais sua competência linguística, de modo a evitar que as curvas encontradas pelos caminhos sejam motivo de obstáculo.